sábado, 25 de abril de 2009

José Fanha, poeta de Abril

Já não sei bem há quanto tempo mas a cena passou-se em S. Pedro de Sintra. Ao mesmo tempo que eu me aproximava duma caixa Multibanco um homem baixo, corpulento e de bigode imponente parecia apressado para utilizar a máquina ao mesmo tempo que eu me preparava para faz o mesmo. Num gesto de mão dei-lhe a prioridade e ele, depois de usar a máquina, agradeceu-me com um "obrigado". 
"Obrigado eu, pela poesia que me oferece todas as manhãs", respondi-lhe referindo-me a um pequeno momento radiofónico dedicado à poesia que ele fazia numa rádio local, que eu ouvia pela manhã.
Com olhar de espanto, José Fanha voltou a agradecer-me e cada um foi à sua vida. Muitos portugueses conheceram-no pela sua brilhante participação no concurso da "Cornélia" na RTP, mas eu conhecia José Fanha da minha juventude, dos meus tempos de militância na esquerda radical e fazia já muitos anos que não o via. José Fanha é um dos poetas de Abril.
Longa vida aos poetas e à poesia.



Eu Sou Português Aqui

Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito. 



José Fanha, in "Eu sou português aqui"

1 Comment:

Anónimo said...

José Fanha não passou ao lado da revolução e, claro, da poesia.